Opinião: Intolerância ou incoerência? Claudia Leitte altera letra de música e ignora raízes do Axé-Music
Por: Matheus Montserrat.
Claudia Leitte, mais uma vez, se encontra no centro de uma polêmica que poderia ter sido facilmente evitada. A cantora, que construiu sua carreira no Axé-Music decidiu alterar a letra da música Caranguejo, substituindo uma referência a Iemanjá, importante figura das religiões de matriz africana, por uma menção a Jesus. Nas últimas apresentações, da cantora, ela tem trocado a saudação a Iemanjá pelo nome de Jesus em hebraico. A letra original diz: “Joga flores no mar. Saudando a rainha Iemanjá”. Devido à sua religião, a artista passou a cantar: “Joga flores. Eu canto meu rei Yeshua”.

A decisão gerou fortes críticas e repercussão nas redes sociais, acusando-a de intolerância religiosa, e até mesmo o secretário da Cultura e Turismo de Salvador, Pedro Tourinho, entrou no debate, ressaltando que apagar referências às raízes negras do Axé é, no mínimo, uma postura desrespeitosa e racista.
É inegável que Claudia Leitte tem sua liberdade de crença como qualquer indivíduo deve ter. No entanto, existe um ponto crucial que não pode ser ignorado: o axé, é o estilo que alçou Claudia ao sucesso, tem uma conexão profunda com as religiões de matriz africana e a cultura negra. A palavra “axé”, por si só, vem do iorubá e carrega o significado de força, energia e realização, sendo um pilar cultural e espiritual no contexto brasileiro. Retirar ou alterar esses elementos não é apenas uma escolha artística, mas também um ato que carrega implicações sociais, históricas e simbólicas.
Claudia Leitte precisa lembrar que sua carreira foi construída sobre o alicerce desse estilo. Não é apenas um ritmo; é uma manifestação cultural que reverencia suas raízes e celebra sua ancestralidade. Quando a cantora decide ignorar ou reescrever aspectos dessa cultura para se adequar a suas convicções pessoais, ela não está apenas desrespeitando o gênero que lhe deu visibilidade ela está contribuindo para a invisibilização e o apagamento de uma parte essencial da história cultural brasileira.
Essa não é a primeira vez que Claudia adota uma postura semelhante. A mudança na letra de Caranguejo já havia ocorrido em 2014, durante a gravação de um DVD. Na época, o gesto foi amplamente debatido, e hoje a situação se repete, com ainda mais repercussão. Não se trata de um erro isolado, mas de um padrão que coloca em xeque a capacidade da cantora de lidar com sua própria trajetória artística de forma coerente.
O episódio nos leva a questionar: o que está acontecendo com Claudia Leitte? Pois o problema é velho, são polêmicas que poderiam ser facilmente evitadas. Seria uma falha de sua equipe ou uma desconexão profunda entre a artista e o próprio legado que ela ajudou a construir? Claudia sempre foi reconhecida por seu talento e esforço, mas polêmicas como essa não apenas enfraquecem sua imagem pública, como também criam um afastamento entre ela e o público.
Se Claudia não se sente confortável em cantar músicas que carregam referências culturais e espirituais do axé, talvez seja o momento dela refletir sobre sua relação com o gênero. Continuar nessa dualidade entre o Axé que impulsionou sua carreira e as crenças pessoais que parecem rejeitar elementos centrais do gênero só a coloca em uma posição contraditória e desgastante.
O Axé-Music, ao longo dos seus quase 40 anos de existência, nunca foi apenas entretenimento. É uma celebração da cultura negra, uma expressão de resistência e uma força vital na música brasileira. Claudia Leitte, enquanto figura pública e representante do gênero, carrega a responsabilidade de respeitar e honrar essa história que é também sua história. Caso contrário, sua carreira que se ergueu sobre esse rico legado deveria ser repensada ou direcionada para outro cenário musical.